sábado, 29 de dezembro de 2018

Nem 12 nem 2 – A Consolidação do Futebol Brasileiro

Caros amigos,

Conforme prometido no penúltimo “post”, faremos uma abordagem sobre a maior dificuldade em ser hegemônico no Brasil. Para tanto, é interessante recorrermos à história para tentarmos entender o processo. O futebol chegou ao Brasil mais ou menos no mesmo tempo da Proclamação da República. Do ponto de vista político administrativo, nossa República foi inspirada no modelo norte-americano, tanto que a primeira denominação foi Estados Unidos do Brasil. Como consequência, os Estados tinham importância acentuada no caráter de cada sociedade até porque o país é continental e não havia a estrutura de transportes e tecnologias atuais para uma maior integração. O modelo de administração esportiva não poderia ser construído de forma diferente. As federações estaduais foram as primeiras entidades a organizarem minimamente a estrutura do futebol e os campeonatos estaduais eram os únicos com alguma relevância no começo do século passado.

Claro que, desde o princípio, o esporte se desenvolve mais onde há mais predominância econômica, por isso, nem todos os Estados construíram futebol relevante, especialmente os que ficam no lado Ocidental do Tratado de Tordesilhas, ou seja, o Centro-Oeste e Norte Brasileiro que experimentaram algum desenvolvimento apenas nas últimas décadas do século XX. Além do aspecto econômico, a influência inglesa em determinada região também colaborou para um maior desenvolvimento do esporte bretão em terra “brasilis”. Essa influência era bastante nítida no setor ferroviário brasileiro, através dos investimentos de companhias inglesas que trouxeram a novidade ao país. Nesse aspecto, o Estado de São Paulo foi privilegiado e no interior vários clubes tiveram origem “ferroviária”, como o Noroeste (Bauru – Estrada de Ferro Noroeste do Brasil), Ferroviário Ituano (Itu – Estrada de Ferro Sorocabana), Paulista (Jundiaí – Companhia Paulista), Ferroviária (Araraquara – Estrada de Ferro Araraquarense), entre outros.

Esse modelo permitiu a evolução de diversas rivalidades regionais, como se o Brasil tivesse diversos países dentro de um. Permitiu também algo muito difícil de se repetir em outros países que foi a existência de vários times relevantes numa mesma cidade, especialmente a antiga capital federal e seus 4 clubes (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo), lembrando que o Rio era um Estado (Distrito Federal, depois Guanabara). Como consequência, esses times comemoravam títulos (relevantes à época) com boa regularidade e os títulos são a melhor receita para aumentar torcida e criar “camisas que entortam varal”, as famosas camisas que tem peso por si só. Os Estados mais relevantes economicamente foram criando suas rivalidades, inclusive os mais importantes do Nordeste.

Nos anos 50, começam as primeiras tentativas de integração entre os Estados como o Rio-São Paulo e a Taça Brasil cujo primeiro campeão, vejam só, foi o Bahia com seus mais de 40 mil torcedores no jogo na Fonte Nova. Nos anos 60, no período militar, o governo central estimula a construção de gigantes de concreto como o Castelão, Mineirão, entre outros, fortalecendo ainda mais o futebol nas regiões fora do eixo Rio- São Paulo. Em 1971, aproveitando a excepcionalmente bem sucedida experiência do Robertão, é jogado o “primeiro” Campeonato Brasileiro (para entender as aspas, vale ler o “post” anterior), consolidando a integração do futebol nacional. Porém, não se podia jogar mais de 50 anos de tradição fora e os campeonatos estaduais continuavam mais importantes que o próprio nacional, permitindo que vários clubes levantassem canecos com boa regularidade.

Essa dinâmica persistiu até mais ou menos até o final dos anos 90. Nesses cerca de 30 anos, vale ressaltar que não havia grande discricionariedade entre as receitas dos maiores clubes. Os valores dos patrocínios de camisa (começaram nos anos 80), de remuneração da TV e bilheteria (menos relevante na época já que os ingressos eram muito baratos) eram muito semelhantes. A diferença era uma grande venda para o exterior (havia a lei do passe) ou a posse de um estádio particular. O São Paulo se beneficiou muito disso já que os rivais pagavam aluguel para usar o estádio. Não por outro motivo, o clube da Zona Sul tem seus melhores resultados esportivos nesse período. A imprensa dizia que era modelo de administração. Não necessariamente, penso eu. Tinha mais dinheiro, simplesmente. De qualquer forma, vários clubes conseguiam deixar as torcidas felizes, levantando canecos com boa constância. Existiam as filas, é verdade. Botafogo, Corinthians e Palmeiras experimentaram anos sem conquista, mas vale ressaltar que esses clubes disputavam apenas 2 campeonatos por ano. Não é como hoje que disputam 4 ou 5 e isso, na minha opinião, faz a fila atual do São Paulo ser ainda mais relevante que as anteriores.

Dos anos 90 até hoje verificamos uma série de fenômenos. Maior valorização da Libertadores e do Brasileiro. Estabilidade do regulamento do Brasileiro com pontos corridos, acesso e descenso. Criação de competições como Copa do Brasil e da segunda competição continental (Supercopa dos Campeões da Libertadores, Conmebol, Mercosul e Sul-Americana). Aumento exponencial da receita de patrocínio e de TV. Negociação individual da receita de TV (após implosão do clube dos 13). Criação dos planos de sócio torcedor. Maior relevância da bilheteria (os ingressos de arquibancada custavam US$ 1 dólar nos anos 90). Construção ou reforma de estádios particulares. Fim da lei do passe. Concorrência de outros mercados internacionais (Leste Europeu, Oriente Médio, Japão, China) que geram trocas constantes nos elencos. Aumento do número de jogos e exigência física do esporte e, como consequência, aumento da importância de CT’s e Centros de Reabilitação.

As alterações desse início de milênio são mais profundas das que foram observadas em todo o século passado e isso está sacudindo a estrutura do futebol brasileiro. Começamos a questionar no bar ou em programas esportivos se o Botafogo ainda é grande e se o Athletico Paranaense pode sê-lo. A diferença de receita anual dos clubes vai se acentuando e a igualdade entre os antigos grandes não se observa mais. Fica a dúvida do futuro. Será que nos transformaremos numa Espanha? Voltaremos a reconhecer os 12 clubes grandes?

Difícil responder, mas apostaria num cenário intermediário. Acho difícil a cidade do Rio de Janeiro suportar 4 times grandes. Não terá mais espaço. Acho difícil também que tenhamos 12 clubes relevantes no cenário nacional. Na verdade, usando o exemplo do parágrafo acima, o Botafogo e o Athletico devem se assemelhar a um Everton-ING ou Valencia- ESP. Militarão nas posições intermediarias da liga nacional, num ano bom conseguirão vagas para a principal competição continental e com boa dose de acerto e sorte podem tentar um título no mata-mata, especialmente Copa do Brasil ou Sul-Americana. Por outro lado, atualmente, alguns especulam que Flamengo e Palmeiras dominarão o futebol brasileiro (que se tornaria “espanhol). Difícil, para não dizer impossível. Penso que a forma como nosso futebol foi forjado praticamente elimina a chance do futebol brasileiro ser dominado por apenas 2 clubes. Alguns times têm torcida consolidada e boa capacidade de geração de receita. A pujança econômica do Estado de São Paulo sugere que mais de um time será relevante no cenário nacional. Os Estados de Minas e Rio Grande do Sul devem continuar “exportando” times nacionais. Existe a hipótese de renascimento de algum time carioca (mais provável o Vasco). Enfim, aposto num cenário inglês onde 5 ou 6 times podem se revezar nas principais conquistas. Aos outros, sobrará comemorar os esvaziados campeonatos estaduais que, de uma maneira ou de outra, ainda é uma conquista.

Portanto, hegemonia é uma palavra que não deve existir no futebol brasileiro. Que o Palmeiras não caia nessa “história da carochinha” e continue trabalhando fortemente, dia após dia, para manter seu protagonismo.

Marcelo, o Racional

Um comentário:

  1. Vamos aguardar os primeiros passos da gestão em 2019, primeiro ano livre do fardo Paulo Nobre. Dirá muito sobre o futuro. Bacio!

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