quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Simpatia é quase amor

Caros amigos,

Em 2018, ainda sob os efeitos do histórico gol de Deyverson em São Januário, publiquei um “post” intitulado “A Necessidade da Evolução Contínua. A Falácia da Hegemonia no Brasil”. Com o intuito de poupar o tempo do raro leitor, citarei os itens e escreverei apenas sobre as evoluções, ou não, dos mesmos abaixo. Caso haja interesse no maior esclarecimento da razão de cada item, peço acessar o “post” do ano passado. Sendo assim, vamos a eles:

1 – Necessidade de mudanças estruturais

Regredimos. O Palmeiras se aproximou ainda mais do “sistema” com a pacificação com a Federação Paulista.

2 – Priorização do Brasileirão

Regredimos. O discurso oficial desse ano destacou que os investimentos foram fortes para buscar os títulos que o palmeirense mais sonha. Tudo isso culminou com um trabalho irreconhecível de Mattos em 2019. Seus críticos mais ferozes podem argumentar que 2019 apenas deu visibilidade ao que era ruim (não é a opinião do autor do “post”), mas, é indiscutível que 2019 foi um ano recheado de estranhezas (para ser elegante). A ida e vinda de Ricardo Goulart, a contratação de Carlos Eduardo por uma bagatela significativa (a segunda maior da história), a contratação arriscada de Ramires (cerca de 30 jogos em 30 meses), a venda de valores da base...Tudo isso somada a intenção de manutenção de 100% do elenco de 2018 (mesmo os mais contestados), além do não aproveitamento da base fez com que o antigo Mittos se desfizesse como um castelo de areia. A ausência de resultados esportivos (que reduz receita) e o aumento grande nas despesas deve fazer o Palmeiras fechar com prejuízo financeiro em 2019, a primeira vez desde que ele chegou em 2015. Sinceramente, não vejo sua passagem inteira como essa tragédia toda não, mas, não posso deixar de compreender sua saída em 2019. Ele abusou, com a conivência do clube, creio eu. Ficou insustentável.

3 – O Palmeiras não tem Mundial

Apêndice do que foi escrito acima. Sem comentários adicionais.

4 – Modelo de jogo

Ficamos no mesmo lugar. Bastante explorado no último “post” “A gente não quer só comida...”

5 – Campeão, mas podemos melhorar

Ficamos no mesmo lugar, conforme item anterior (modelo de jogo).

6- Novas mídias e TV

Avançamos em parte. Fizemos 2 excelentes contratos. Um de marca de camisa (Puma) e o contrato de TV, esticando a corda até o limite, mas com bons resultados, elogiados até pelos rivais. Entretanto, no restante do marketing possível (exceto Crefisa), não fomos brindados com relevantes novidades.

7 – Ocupação do Estádio

Regredimos. Continuamos com ingresso caro. A pior performance esportiva fez o resto, ou seja, diminuiu o público no estádio.

8 – Avanti

Regredimos. As mesmas queixas do ano anterior. Infiro que com menos associados. Campanhas de marketing tímidas para retomar o fantástico impulso de 2015.

9 – Hegemonia

Regredimos. No campo e nos números financeiros.

10– Pacificação Política

Sem avanço. O processo vinha se deteriorando desde dezembro de 2016 e, após as últimas eleições, as fraturas estão expostas. Impossível vislumbrar algo positivo até o final de 2021, pelo menos.


Esses foram os 10 pontos citados no ano passado. Peço licença para acrescentar mais um:

11 – Simpatia

Segundo o dicionário, simpatia é afinidade moral, similitude no sentir e no pensar que aproxima duas ou mais pessoas. Pois bem, o Palmeiras se afastou da similitude no sentir e pensar da sua torcida e da sociedade como um todo. Esse processo não é exclusividade desse ano, mas, de uns tempos para cá. Para citar alguns exemplos, o posicionamento frio quando as autoridades resolveram fechar a Rua Palestra Itália. O Palmeiras orgulhava-se da maior festa de estádio pré-jogo do país, algo que possibilitou o espetáculo de 02 de dezembro de 2015, onde mais de 10 mil pessoas empurraram o Palmeiras do lado DE FORA do estádio na final da Copa do Brasil. O Palmeiras se posiciona de costas para seu povo e diz que compreende e respeita a decisão das autoridades. Além disso, há anos, o ingresso mais caro do país. Imagino a quantidade de apaixonados que, depois do Velho Palestra, nunca mais pisaram lá. Não, não me tornei socialista de dinheiro alheio. Ocorre que o estádio invariavelmente tem 10 mil lugares vazios. Imagino as dificuldades (inclusive com a construtora), mas essa era uma briga para estar junto com seus aficionados, usando a mídia a favor. Preferimos, mais uma vez, o outro lado. Mulher de jogador agredido e a nota do Palmeiras congelava os olhos de quem lia, tamanha a frieza. Único estádio do Brasil que presenteia a torcida adversária com uma rede. Primeiro estádio no Brasil onde o MP proíbe a torcida visitante de outro estado a participar do jogo. Em ambas as oportunidades, compreensão com as autoridades e as costas para o torcedor. Uma campanha publicitária que exalta a inveja dos outros (cuidado com o soberano, hein...). Para coroar tudo isso, há décadas jogando um futebol que só atrai palmeirense convertido. Enfim, penso que é de suma importância a contratação de um profissional de relações institucionais. Alguém com tamanho e competência para se reconectar com a torcida e, porque não, com a sociedade. Inúmeros clubes aqui e lá fora têm uma série de ações bacanas, com o intuito de fortalecer o maior patrimônio que é o amor de uma torcida pela marca. Algumas ideias bastam copiar, outras adaptar à nossa realidade.
Regredimos em 2019 nesse quesito também.

Caros amigos,

É com muita tristeza que, de acordo com os itens acima, nossa instituição regrediu. Soma-se a isso a redução da transparência com a não divulgação de balancetes, a inversão da tendência de superávits anuais, a sensação do ressurgimento do SVIP (Serviço de Vazamento de Informações do Palmeiras) e a maior proximidade do patrocinador com a torcida organizada. Sendo assim, pode-se constatar que o primeiro ano do segundo mandato de Galiotte foi ruim. Ficou longe de arrancar suspiros.

E 2020?

Bem, vai depender dele em primeiro lugar, da diretoria em segundo, dos profissionais em terceiro e, por fim, das escolhas da torcida, que, como penso, empresta apoio tácito às ações. 

Com Jorge Jesus e Sampaoli, abriu-se uma janela de oportunidade de libertar o Palmeiras do sequestro do futebol chinfrim. Não podemos perder essa oportunidade. Penso que o processo não será linear. Uma entrevista falando do DNA ofensivo aqui (bom), um maior aproveitamento da base ali (bom) e a vinda de Vanderlei Luxemburgo para embaralhar tudo. Contratamos baseados mais na fé que nos trabalhos dos últimos 10 anos. Como ele é um carioca que gosta de Carnaval, o título do “post” vai em sua homenagem. Minha contribuição esotérica (a la Roberio de Ogum) para ajudar a dar certo...

Porém, essa é a única contribuição do meio externo. Todas as demais dependerão da gente. Esse “post” tem a intenção de contribuir com o debate, elencando os aspectos que deveríamos focar nos próximos anos. Ainda somos protagonistas. Mas, em 2019 perdemos espaço.

Mãos à obra para reconquistar!

Marcelo, o Racional

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

A gente não quer só comida

Caros amigos,

E chegamos a mais um fim de ano. Época dos nossos tradicionais “posts”. E que ano...Ou melhor, e que semestre! Até a Copa América as coisas iam razoavelmente bem...Mas, um tsunami varreu o futebol brasileiro em julho. Sim, um tsunami dado sua força e “imprevisibilidade” (espero conseguir explicar as aspas no texto).

Difícil precisar exatamente quando, mas, lá pelos meados da década passada, nosso futebol foi sequestrado por um modelo de jogo primitivo. O principal símbolo foi Muricy Ramalho e seu tri pelo São Paulo. Resumidamente, defesa superprotegida, ligação direta e confiança nos cruzamentos e/ou “casquinhas” de centroavantes, buscando o gol redentor, o gol que garantia os 3 pontos. A enorme maioria dos jogos se traduzia em sofrimento, não importava se contra o Mirassol ou contra o Barcelona. O “único” enorme prazer era a vitória. E ela bastava. Na sequência, nesse ciclo vicioso, as vitórias favoreciam os técnicos e seus discípulos e vieram Mano, Tite, Marcelo Oliveira, Carille e que tais. As vitórias entorpeciam o torcedor e interditavam o debate. Como questionar “inquestionáveis” campeões.

Vindo de uma seca de títulos, era bastante desafiador para nosso amado time “inovar”. Era mais confortável, nadar na mesma raia dos adversários. Escrevendo em outras palavras, tentar jogar o melhor futebol medíocre do país. Além disso, nossa Libertadores foi jogada de forma, diríamos, menos arejada, apenas 3 anos depois da formação de um dos maiores esquadrões de nossa centenária história. Era a fome com a vontade de comer. Com Marcelo Oliveira, Cuca e Felipão, conquistamos 3 importantíssimos títulos nacionais.

Na prática, como ousar dizer que não bastava. Raras, raríssimas vozes abordavam a necessidade de fazer algo além, ainda mais com a vantagem financeira e a calma que a “barriga cheia de títulos” gera ou deveria gerar. Permitam-me, perdão, uma autocitação já que a questão de modelo de jogo foi abordada diversas vezes em “posts” que podem ser lidos neste “blog” e que foram publicados horas após as conquistas. De qualquer forma, esse pensamento de resgate do nosso DNA, de jogo propositivo, impositivo que nos permite com orgulho ostentar a alcunha de “A Academia” não ecoava nos corações e mentes da coletividade. Nem na fila tivemos times que trocavam menos de 100 passes por jogo. Toleramos isso. O carrinho na lateral que era símbolo do rival da Zona Leste, virou orgulho na Zona Oeste também.

As diretorias, em sua maioria, têm enorme receio em confrontar os torcedores. Como havia um apoio tácito da coletividade, a estratégia do Palmeiras em 2019 foi reforçar a aposta feita nos anos anteriores. Manutenção do modelo de jogo, renovação de contrato de todos os jogadores de 2018, aumento robusto para os 2 melhores jogadores do ano passado e contratações (falaremos disso em outro “post”) que se enquadravam nessa engrenagem. Como dar errado?

E não é que quase deu certo, novamente? Até a interrupção para a Copa América, o Flamengo de Abel Braga estava a impressionantes 8 pontos de diferença em apenas 9 rodadas. Éramos líderes incontestáveis, enfileirando uma série de vitórias magras, intercaladas com alguns espasmos de futebol (como contra o Fortaleza e Santos). Sim, continuávamos jogando o melhor futebol medíocre do Brasil.

Porém, e infortunadamente para nós, alguém no Flamengo percebeu que se não mudasse de raia, perderiam novamente. Fizeram uma aposta alta, dessas que só são permitidas quando a certeza de fracasso é certa, não por convicção. Trouxeram um técnico com o objetivo de propor algo parecido com o que só podíamos apreciar pela TV. Aquele famoso “é outro esporte” que dizíamos após sermos brindados por um bom espetáculo de futebol no Novo Mundo. Nada tão especial. “Apenas” repensaram a ojeriza pela bola. Intensidade na marcação em todos os espaços do campo e deslocamentos para facilitar passes. O ótimo time começou a vencer, vencer e vencer. Com isso, a tão importante confiança fez o restante. Como naqueles “alinhamentos de planetas” a coisa entre em círculo virtuoso. Foi um massacre. Em apenas alguns meses, título brasileiro com inéditos 90 pontos, incontáveis goleadas sobre os rivais e o título continental. Nada mal. Além dos aspectos objetivos (títulos), a forma alegre de jogar, sem dúvida, colabora demais para a conquista de mais torcedores mirins, pedra fundamental da grandeza de qualquer time.

Enfim, foi um tsunami. As ondas cariocas dizimaram 2 técnicos, um diretor de futebol, diversos jogadores e, talvez, tenha sido o começo da desintoxicação da coletividade em relação ao futebol primitivo. Pela primeira vez, li nas redes “antissociais” sobre a necessidade de jogar um bom futebol. Não necessariamente bonito, algo subjetivo, mas um bom futebol.

Como o Palmeiras responderá ao novo momento?

Infelizmente, não sei ao certo. Penso que as condições nunca estiveram tão favoráveis ao resgate da nossa história, da nossa identidade. Penso também que, se escolhermos mudar, como todo processo de desintoxicação, esse terá hesitação, tentação, recaídas, etc. Convicção, se houver, será posta à prova quase que diariamente.

Não é impossível que esse Flamengo reduza de ímpeto (dentro de campo), que seu técnico saia, que uma derrota no mata-mata para um técnico “reativo” mude o ambiente novamente. Penso que isso não deveria interessar.

Quem comanda um clube deveria sempre se inspirar no que nos trouxe até aqui. Nossa história de 105 anos teve dores, quedas, derrotas, mas, nunca falta de altivez. Nunca covardia. Não foi “jogando por uma bola” que seguramos no braço os canalhas que queriam tomar nosso estádio em 1942. Não foi com “bola parada” que os italianos que sofriam todo o tipo de preconceito fundaram a Società Sportiva Palestra Italia. Não foi com “casquinha” para centroavante que conquistamos o Mundo em 1951. Não foi com “chutão” que a Academia representou o Brasil em 1965.

A gente não quer só comida!

Marcelo, o Racional