domingo, 24 de julho de 2011

VEJA E O ITAQUERÃO

O Itaquerão é nosso

 Ou, pelo menos, a conta é. Ao contrário do prometido, o estádio do Corinthians será bancado com dinheiro público e custará 820 milhões de reais.

O governo de São Paulo não colocará um tostão no estádio do Corinthians. Nenhum tostão"(governador Geraldo Alckmin, em maio de 2011).

"A prefeitura de São Paulo reafirma sua decisão de não utilizar recursos públicos para a construção de nova arena na cidade de São Paulo, pois entende que o seu papel é fazer investimentos em obras de infraestrutura urbana que melhorem ainda mais o cotidiano dos paulistanos" (nota da prefeitura de São Paulo, em junho de 2010).

"Os estádios serão construídos com dinheiro privado. Não haverá um centavo de dinheiro público para estádios" (ministro do Esporte, Orlando Silva, em dezembro de 2007).

Na última quarta-feira, os autores das frases acima se reuniram num palanque para anunciar o que todo mundo já sabia: o estádio do Corinthians - ou Itaquerão, como ficou irremediavelmente conhecido - será construído quase integralmente com dinheiro público. Hoje, ele está orçado em 820 milhões de reais. Desse total, a prefeitura bancará mais da metade por meio de incentivos fiscais. O governo federal contribuirá com 65 milhões de reais vindos de isenção de impostos. O restante será financiado com juros camaradas pelo BNDES, que o Corinthians pagará ao longo de quinze anos - desta vez, não com dinheiro público, mas "do público". Como a primeira parcela só deverá ser quitada depois da inauguração do estádio, o clube não terá de tirar um centavo dos seus cofres para erguê-lo: os pagamentos virão das rendas de jogos e shows a ser realizados no local. Tanta generosidade levou o presidente do clube, Andrés Sanchez, a verter lágrimas de gratidão durante a cerimônia. Ao contribuinte também não faltam motivos para chorar. O mais recente foi anunciado pelo governador Geraldo Alckmin: se for confirmado como local de abertura da Copa do Mundo de 2014, o Itaquerão precisará ter sua capacidade aumentada para 65.000 lugares (o projeto atual prevê 48.000). Nesse caso, quem abrirá a carteira será o estado de São Paulo. Geraldo "Nenhum tostão" Alckmin se comprometeu a pagar a diferença, cujo custo previsto é de 80 milhões de reais.

Partiu de Kassab o mais frágil argumento para justificar a construção, com dinheiro público, de mais um estádio numa cidade que já conta com uma arena do porte do Morumbi e tem problemas crônicos de transporte, saúde e educação. Disse o prefeito que a obra servirá para revitalizar a combalida Zona Leste da cidade. "Além do enorme retorno financeiro que a Copa do Mundo proporcionará. A região ganhará uma área para shows e eventos que vai oxigenar sua economia." O Engenhão, estádio erguido no Rio para ser uma das sedes dos Jogos Pan-Americanos de 2007, está aí para provar que a tese do prefeito pode ser apenas futurismo barato. Quatro anos depois da inauguração da arena, o bairro do Engenho de Dentro tem infraestrutura precária e não recebeu nenhum benefício. "O estádio sozinho muda muito pouco a vida de um bairro.

No caso do Engenhão, a região não ,foi alvo de intervenções públicas para melhorar o transporte, a saúde, a qualidade de vida . Não é um exemplo a ser seguido", afirma o economista carioca Sérgio Besserman.
Um dia antes da cerimônia que emocionou o presidente do Corinthians . a prefeitura da cidade francesa de Bordeaux anunciou o vencedor da licitação para a construção do novo estádio que sediará o campeonato europeu de futebol de 2016. O projeto foi assinado pela mesma empresa que ergueu o estádio chinês Ninho de Pássaro. Com capacidade para 43 000 pessoas, custará o equivalente a 375 milhões de reais. A diferença, segundo o Corinthians, se deve ao fato de que. ao contrário do estádio de Bordeaux, o Itaquerão será uma arena de "padrão Fifa". Ah, sim: o estádio de Bordeaux não consumirá um centavo de dinheiro público. E, nesse caso, não se trata de promessa.

Saídas do mesmo punho

A construção do Itaquerão e a possibilidade de sediar a abertura da Copa são apostas de Gilberto Kassab para tentar fazer seu sucessor em 2012 e, dois anos depois, disputar o governo de São Paulo. Mas, antes disso, o prefeito terá de resolver um problema mais premente: conseguir até o fim de setembro a licença para que o partido que criou, o PSD, possa participar das eleições do ano que vem. No papel, a fundação de um partido tem dois requisitos. O primeiro é fazer um registro em cartório - o PSD já superou essa fase, ao protocolar seu programa de 21 páginas, no qual examinou documentos entregues pelo partido à Justiça e atestou que assinaturas atribuídas a pessoas diferentes têm como origem "o mesmo punho escritor". Dez desses supostos apoiadores compareceram a um cartório eleitoral da Zona Leste de São Paulo para reconhecer se era autêntica sua assinatura. Oito disseram não ter assinado nada.

Antes disso, o Ministério Público em São Paulo já havia aberto uma investigação para apurar o uso de funcionários públicos municipais, em horário de expediente, na coleta de assinaturas para o PSD. Também já era alvo de apuração uma lista de apoio que, por influência do dono de uma fábrica, quase todos os funcionários assinaram. Em Santa Catarina, a polícia investiga se mortos "assinaram" a ata de fundação. No Paraná, foram encontradas cinco assinaturas de eleitores analfabetos. No Rio de Janeiro e no Amazonas, juízes eleitorais detectaram que assinaturas de eleitores foram falsificadas.

Com base nessas denúncias, o DEM, ex-partido de Kassab, pede à Justiça Eleitoral que convoque os eleitores para conferir a autenticidade de todas as assinaturas antes de conceder o registro definitivo ao PSD. A coleta de assinaturas de eleitores como requisito para a fundação de uma sigla pode ser uma etapa burocrática de uma lei anacrônica. Mas driblá-Ia, ou permitir que terceiros o façam, é ilegal e desonesto. O cartão de visitas do PSD já chega manchado.

\Revista Veja, ed. de 24.07.11/

2 comentários:

  1. De se estranhar o fato de falar de "arena do porte do Morumbi" e de um estádio a ser construido na distante(fisicamente e economicamente) cidade de Bordeaux e não se falar na Arena Palestra aqui mesmo na cidade de SP, sem dinheiro publico, padrão fica e custando menos da metade do gambazão com praticamente a mesma capacidade.

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